21 de dezembro de 2009

manifesto ampliação marginais


To: PREFEITURA DO MUNIÍCIPIO DE SÃO PAULO E GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO


Nós, professores da Universidade de São Paulo, preocupados com o futuro de São Paulo, vimos por meio deste apresentar nosso total repúdio à política pública urbana que vem sendo implementada no Município, denominada “Revitalização da Marginal do Rio Tietê”, que prevê a construção de seis novas faixas de rolamento (três de cada lado) nessa via, consumindo R$ 1,3 bilhão em investimentos do Governo do Estado, da Prefeitura do Município de São Paulo, e das concessionárias das rodovias que usam o trajeto da Marginal.


Tal obra repete práticas de planejamento equivocadas, que levaram a metrópole ao colapso atual. Ao invés de reverter tal lógica, prioriza o transporte individual em detrimento do transporte coletivo, reproduzindo uma política excludente, além da triste tradição brasileira de obras vistosas que beneficiam a minoria e os setores especializados da construção civil. Ela se opõe frontalmente aos princípios de priorização do transporte coletivo sobre o individual constante do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e dos Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras.


O mais inaceitável é que os dados técnicos ratificam esta urgente e necessária priorização do transporte coletivo. A Pesquisa OD 2007, realizada pela Companhia do Metrô, mostra que: a taxa de motorização da Região Metropolitana é de menos de 20 veículos para cada cem habitantes; metade das famílias da região metropolitana não possui automóvel, parcela essa na qual se concentram as de mais baixa renda; e que um terço das 37,6 milhões de suas viagens diárias ainda é feita a pé, em função das péssimas condições sócio-econômicas da população. As viagens de automóvel correspondem a apenas 11,2 milhões, ou seja, aproximadamente 30% do total.


Se somarmos os gastos de todas as grandes obras viárias realizadas nos últimos 15 anos e daquelas previstas para o Centro Expandido da capital, aonde se concentram os estratos de maior renda, chega-se ao montante de vários bilhões de reais, valor mais que suficiente para a implantação de toda a Linha 4 – Amarela do metrô.


A Cidade do México, tomando um exemplo com alguma similaridade com São Paulo, iniciou o seu metrô na mesma época que nossa capital. Atualmente, apresenta uma rede com 202 km de extensão, face aos tímidos 61 km do metrô de São Paulo. Apesar da aceleração recente do ritmo das obras, o incentivo ao transporte coletivo é insuficiente, pois, mantendo-se o ritmo atual, serão necessários ainda assim aproximadamente 20 anos para alcançarmos a quilometragem da cidade do México.


Por outro lado, o sistema de trens, embora tenha uma quilometragem mais extensa que a do metrô, apresenta serviço irregular, com índices de conforto baixíssimos, espremendo seus usuários em uma concentração de 8,7 passageiros por metro quadrado nos trechos mais carregados no horário de pico, segundo dados da CPTM para maio de 2009. E mesmo o Metrô, que já foi fonte de orgulho quando da sua inauguração, ganhou o triste primeiro lugar em lotação entre todos os metrôs do mundo, segundo reportagens recentes.


Por fim, ressaltamos os problemas ambientais e de saúde publica resultantes dessa opção pelo transporte individual, que consome enorme quantidade de combustível fóssil, sendo que a emissão de gases poluentes por pessoa transportada é bem maior que a produzida pelo transporte público que se utiliza do mesmo combustível. Pesquisas do Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP demonstram que a poluição é responsável por 8% das mortes por câncer de pulmão na cidade e que 15% das crianças internadas com pneumonia na rede hospitalar são vítimas da má qualidade do ar na cidade. Mesmo o recente Programa de Inspeção Veicular não consegue resolver esse problema em vista do crescimento da frota de veículos da metrópole que é de 10% ao ano. Além do mais, as obras da Marginal deverão ter impacto metropolitano e regional, porém foram licenciadas apenas no âmbito municipal.


Esse fabuloso investimento em um urbanismo rodoviarista em detrimento da construção de um sistema de transporte público amplo, eficiente e limpo, que atenderia à maioria da população, é um assustador retrocesso, que caminha na contramão da atual preocupação mundial com o meio ambiente. Acreditamos que as políticas públicas urbanas devam ser ambientalmente responsáveis e pautadas pelo atendimento das demandas da maior parte da sociedade. Políticas como aqui apontadas reforçam o caráter segregacionista da nossa cidade, privilegiando os estratos de maior renda e relegando a maioria da população a condições precárias de transporte e mobilidade, com danos ambientais para todos os cidadãos da metrópole. Por fim, esta obra não resolverá os problemas de transito da cidade, e muito menos da própria Marginal do Tietê.

Alexandre Delijaicov
Ana Cláudia C. Barone
Carlos Egídio Alonso
Catharina P. Cordeiro S. Lima
Eduardo A. C. Nobre
Erminia Maricato
Eugenio Queiroga
Euler Sandeville
Fábio Mariz Gonçalves
Flávio Villaça
João Sette Whitaker Ferreira
José Tavares Correia de Lira
Maria de Lourdes Zuquim
Maria Lucia Refinetti Martins
Nabil Bonduki
Paulo Sérgio Scarazzato
Paulo Pellegrino
Raquel Rolnik
Roberto Righi
Vladimir Bartalini

manifestar-se

portifólio imaginário





















O PROGRESSO AVANÇA PELO ASFALTO


1 Foi-se o tempo em que a imagem do Brasil no exterior era associada a futebol, favelas, lambança, tiroteios e turismo sexual. O país progrediu, distribuiu renda, deixou o estágio degradante de produtor de matéria-prima e hoje é uma referência no combate à dengue e aos desdentados, exportando design, tecnologia, sandálias e pré-sal sem perder a malemolência.


Na gestão das cidades, a proeminência brasileira salta aos olhos. Uma solução urbana bem-sucedida em São Paulo e Belo Horizonte, por exemplo, vem sendo replicada nos quatro cantos do planeta: a cobertura dos rios urbanos com pistas de tráfego, um ovo de Colombo asfáltico que só poderia ter sido achado por conterrâneos de Santos Dumont. Superando preconceitos, a proposta inova ao conciliar a melhoria do trânsito com a requalificação da paisagem urbana, ao mesmo tempo em que faz a alegria de empreiteiros.


Mesmo na Europa, onde o peso nefasto da tradição costuma atravancar o avanço civilizatório, perceberam-se as vantagens da pavimentação fluvial. Paris, Londres, Roma, Veneza e Amsterdã renderam-se ao modelo brasileiro e hoje estão mais limpas e fluidas. As metrópoles de referência evitaram dispendiosos tratamentos dos rios e ampliaram a infraestrutura viária para atender ao aumento constante da frota de veículos - cerca de 900 carros são emplacados por dia em Londres e 600 em Paris. Vale lembrar que políticas de redução de impostos sobre automóveis, em boa hora implantadas com consultoria da equipe econômica do governo Lula, salvaram a grande indústria e garantiram a normalidade das vendas em diversos países europeus.


Adaptar as cidades à realidade hodierna não custa barato. Em Paris, a revitalização de pouco mais de 3 quilômetros do rio Sena custou 350 milhões de euros e levou dois anos para ser executada. Mas abriu dezoito novas pistas de tráfego, o que trará uma melhoria de 35% na velocidade do trânsito. O prefeito Dertrand Belanoe comemorou o sucesso do projeto já pensando no futuro: "A obra trouxe melhorias evidentes, mas não podemos nos acomodar. Temos uma perspectiva continuada de adaptação da infraestrutura urbana para as demandas contemporâneas." O prefeito estuda agora transformar as Tulherias num camelódromo.


Os eternos insatisfeitos de Paris, cidade de protestos e revoluções sanguinolentas, não aceitaram passivamente o avanço. Brandindo o surrado argumento passadista da "importância natural, simbólica e de lazer" do Sena, um grupo de manifestantes desenhou peixes sobre as novas pistas. Em texto divulgado na internet, os neoluditas atacaram: "Falta imaginação aos governantes, que poderiam investir em transporte público, sistemas de bicicletas e veículos compartilhados. O rio limpo se tornaria um atrativo turístico, com barcos, locais para caminhadas e piqueniques."


Para além dos idealismos bucólicos, vê-se que os grandes centros urbanos possuem dinâmicas complexas que demandam soluções arrojadas como as que aqui se apresentam. As novas cidades oferecem ao cidadão conforto, higiene, segurança e privacidade - tudo dentro de seu carro novo. O leitor verá em cada imagem das próximas páginas resíduos da modernidade contemporânea brasileira, e, sentindo o cheiro de asfalto, desenvolvimento, ordem, progresso e gás carbônico, dificilmente conterá o orgulho e a vibração cívica.

* Roberto Andrés - Revista Piauí